A culpa é da Primavera
A viagem parecera-lhe uma eternidade mas finalmente aterrara. Passou todos os controles em passo apressado e rezava para que não a mandassem parar. Não que tivesse algo ilegal com ela mas apenas porque tinha pressa. Por muito que corresse sentia que andava em câmara lenta. Avançou o mais rápido que conseguia andar arrastando atrás de si a bagagem. Hoje não se preocupava com o que trazia vestido, com penteados alinhados ou com maquilhagens retocadas. Pensando bem preocupava-se cada vez menos com isso. Antecipam-se vontades nas saudades sentidas.
Como vem sendo hábito permitam que meta o bedelho e interrompa a história por um momento. Se bem se recordam um dia proibiram-nos de escrever histórias de amor e no dia seguinte pediram-nos acção. A nossa personagem principal ficou estendida numa rua de Lisboa após sentir uma pancada na cabeça. Continua-se a história com tema de primavera e deslinda-se o mistério de tal ataque.
O mundo distancia-se enquanto os corpos se unem. Despedem-se os preconceitos e apresentam-se os desejos. Gosta-se de toques fortuitos que fazem com que os corpos estremeçam em uníssono. Sussurram-se vontades enquanto se partilham olhares. Olham-se nos olhos. Sempre nos olhos. Sentem-se perto, cada vez mais perto. Abraçam-se no prazer e sentem-se no querer. Querem-se e soltam-se cada vez mais. Alterna-se entre quereres e risos sentidos. Mais do que se sentirem um no outro sentem-se um do outro. Gosta do silêncio enquanto se deixa abraçar.
Murmura. Pede que a deixe dormir. Ouve vozes á sua volta. Demasiadas vozes. Sente-se confusa. Sente-se perdida no tempo enquanto as vozes sobem de tom. Tenta localizar-se. Voara para o ver. Devoraram-se na pressa da saudade e adormecera saciada. Tenta sentir-lhe o corpo e o cheiro mas está fria. Sente frio. Pedem-lhe que tenha calma enquanto a deslocam para outro local. Ouve o som de ambulâncias e deixa-se ir. Está cansada. Sente-se cansada.
Interessante a forma como o tempo passa sempre que estão juntos. Esqueçam-se horários comuns e adoptem-se horários pretendidos. Gosta de deitar a cabeça no seu colo enquanto ele lhe mexe no cabelo. Este ano comemoram a entrada da primavera com um piquenique. Incontáveis os gostos de ti, os abraços e os beijos. Impressionante o que sente quando ele a beija nos olhos. Indiscutível o carinho que estes dois transmitem. Diz-lhe que sente sono e adormece enquanto ele lhe faz festas na cabeça.
De certo começam os caros leitores a estarem impacientes. Alternamos entre acordares e adormeceres, misturamos desejos carnais e lamechices pelo meio mas ainda não sabemos o que aconteceu a Cristina. Chamemos-lhe assim porque daqui para a frente é importante que tenhamos um nome. Apresso-me nas letras e voltemos à história que até eu estou a ficar curiosa.
“D. Cristina sou a enfermeira Madalena está-me a ouvir?”. Abre os olhos, confusa, enquanto tenta perceber onde está. Vê ao seu lado as suas vizinhas do primeiro andar e pergunta-se porque estarão ali. Contam-lhe que está há dois dias no hospital. Pergunta o que aconteceu enquanto se tenta lembrar de alguma coisa. Dizem-lhe que levara com o vaso da Dona Eulália na cabeça. Que a pobre senhora estava a mudar as plantas de vaso, para celebrar a primavera, à varanda quando um dos vasos caiu. Contaram-lhe, ainda que quem lhe valeu tinha sido o Senhor Inácio que nesse preciso momento ensaiava a sua actuação para a próxima selecção dos Ídolos. Recorda-se finalmente dos gritos que ouviu, da decisão que tomou em ir em seu auxílio e do cheiro a flores que tinha sentido.
Senta-se apressada na cama. Lembra-se dele. Tinha de o avisar. Devia estar preocupado. Pede para que lhe cheguem o telefone que precisa de fazer uma chamada. “Querem ver que a bela adormecida acordou antes de levar um beijo do príncipe?” ouve atrás de si. Despedem-se as vizinhas de forma acelerada enquanto se acotovelam entre sorrisos derretidos. Incrível como ele seduz todos á sua volta. Até as jararacas das vizinhas tinham ficado rendidas.
Olha-o enquanto ele lhe conta como ficou preocupado por não ter recebido a sms da noite. Conta-lhe que ligou e que alguém atendeu o telefone. Diz-lhe que esteve sempre ao seu lado e que este ano tinham falhado o piquenique de inicio de primavera. No decorrer da conversa pergunta-lhe:
- Olha lá ,o que é que andavas a fazer pela rua descalça e com uma lima de unhas na mão?
Ri-se e promete-lhe contar tudo um dia. Pensa no que viveu durante o tempo em que esteve inconsciente e equaciona se terá sido mesmo um sonho. Abraça-o e diz-lhe o quanto o ama. Ele diz-lhe que quer que ela seja a mulher que nunca teve.
Paremos com tanta “melice” que até corremos o risco de enjoar. Até porque haverá quem ache o amor lindo e os que não acreditam nele. Por aqui insistimos no amor, no humor e no romance porque por aqui acreditamos que sem eles não faz sentido. Culpa-se a primavera de tal transtorno e enquanto os dois se beijam esperamos pelo desafio que se segue.
Marta
Historia de Ficção escrita por mim para a Fábrica de historias